quinta-feira, 18 de julho de 2013

PEDAL AO FUNIL - VITALY COSTA E JOÃO PAULO

Cicloturismo: de Valença (RJ) à Pedra do Funil (MG)

Por Vitaly Costa e Silva
“Na vida, ou na montanha… deve-se ascender com cuidado, porém sempre”.
PEDAL NAS NUVENS
   Nesta semana, como entramos em novembro, a expectativa pelo descanso das férias aumentou vertiginosamente. Um feriado na sexta-feira caiu bem como um aperitivo. No meu caso a expectativa foi ainda maior: na sexta-feira, após 6 anos, eu voltaria a visitar a comunidade do Funil, local mágico e paradisíaco, com uma incrível concentração de cachoeiras, localizado no município de Rio Preto, em Minas Gerais. E desta vez de bike. Na quinta à noite, parti de carro para Valença tentando não esquecer nada pra trás e deixar tudo organizado, pois sairíamos na sexta bem cedo. No dia seguinte de manhã, estava fazendo os últimos preparativos na garagem da casa da minha mãe quando o amigo João Paulo Maia chegou. Últimos acertos feitos. Tempo nublado, mas sem sinal de chuva. Clima perfeito. Partimos em direção a Rio Preto. Rumo às Gerais.
   De Valença a Rio Preto são cerca de 30 km de asfalto bem liso. Pedal bem tranqüilo, sem pressa. Pouco movimento na estrada. Rapidamente alcançamos Osório e Santa Inácia. Num pulo já estávamos em Pentagna, distrito valenciano conhecido por uma cachoeira muito utilizada antigamente – lembranças da infância… Após Pentagna, um trecho de descida, passamos pela entrada de Coroas/Alberto Furtado, estrada na qual sofri um cômico mas dolorido acidente de charrete no distante ano de 1996. Logo após, um trecho de subidas relativamente forte. Lá no alto paramos, e lá longe avistamos a imponente serra que leva ao Funil. Longe de assustar ela me animou, pois sabia que após tanto tempo eu voltaria àquele belíssimo lugar e encontraria aquelas pessoas que tratam os visitantes tão bem. A partir dali, um bom trecho de velozes descidas, asfalto lisinho mesmo. Rapidamente estávamos em Parapeúna, distrito valenciano às margens do rio Preto. Na outra margem situa-se o município mineiro homônimo ao rio, cidade natal do amigo João Paulo – aliás, o João conhece todo mundo do lugar. Parada para um lanche na padaria. Ainda estamos no Estado do Rio, mas o agradável sotaque mineiro já é dominante no ambiente. Terminado o lanche, parada para uma foto na ponte. A roda traseira ainda está no Rio de Janeiro, mas a dianteira já está falando “uai”. Atravessamos a praça central da cidade e pegamos, à esquerda, uma longa, íngreme e lenta subida que leva à estrada do Funil, quase que um cartão de visitas do montanhoso estado de Minas. Lá em cima, pela primeira vez neste dia, nossas rodas tocaram numa estrada de chão. Começava ali o pedal de verdade.
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   A estrada do Funil, para usar uma expressão do querido e filosófico Luis Antônio Maia, morador de Parapeúna, é bastante “sensuosa”, uma mistura de sensual com sinuosa, como em geral são as estradas do interior mineiro. Curvas e mais curvas, sobe e desce, curvas longas e curvas rápidas, sobe e desce de novo, mas em geral sobe mais do que desce. No alto da belíssima serra, uma parada obrigatória, a vista é magnífica, montanhas e mais montanhas. Um mundo de cumes, árvores, vales e nuvens. Incríveis e simples casinhas podem ser vistas no meio do “nada”. Fotos tiradas e vamos em frente. Recomeça o sobe e desce, mas, sobretudo, subimos.
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   Após cerca de 1h e 45 de pedal chegamos a uma entrada com belas placas talhadas em madeira. Se seguíssemos em frente, logo chegaríamos à comunidade do Funil, à esquerda, a entrada da Toca do Coelho e da Cachoeira da Água Amarela. Entramos à esquerda, seguimos 1,5km até o Bar da Tirolesa, entrada da Toca. Meia-hora de conversa, retornamos e resolvemos sair da estrada e pegar as trilhas que levam à Água Amarela. Na entrada da propriedade que leva às trilhas, encontramos o Gustavo, proprietário da aconchegante Pousada Serra do Funil, e, pra minha surpresa, ele me reconheceu, após seis anos. Marcamos com ele o almoço para mais tarde e pegamos as trilhas.
Divisa entre RJ e MG
Divisa entre RJ e MG
uma das grutas do local
uma das grutas do local
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   O caminho em busca da cachoeira da Água Amarela foi bastante técnico. Trechos de single track de formas variadas: cortando pastagens abertas, passando por finas areias claras, cruzando pequenos riachos, trilhas estreitíssimas por entre barrancos. Tivemos também que carregar a bike nas costas em vários trechos, principalmente quando adentramos a mata mais fechada e íngreme. Enfim, escutamos barulho de água. O João, conhecedor da área, me explica que se sairmos da trilha, à direita, chegaremos a um pequeno poço, formado acima da cachoeira, e se fossemos à esquerda, chegaríamos à própria cachoeira. Entramos à direita e o poço se revela um belo lugar. Uma verdadeira piscina natural cercada, de um lado, por imensas pedras que formam um abrigo de caçadores e, por outro, pela mata fechada. Belos pássaros selvagens de cabeça cinza e corpo laranja ficam alvoroçados com nossa presença; logo descobrimos seu ninho acima do poço. Banho tomado, água gelada perfeita. Voltamos pela trilha e descemos na bifurcação à esquerda. Antes de descermos para a cachoeira, entramos numa gruta de dar frio na espinha. Um baixo caminho leva a uma grande caverna que adentra a montanha. Resolvemos não entrar, pois existem onças na região e não seria nada bom encontrarmos com uma dentro de uma gruta escura. Retomamos o caminho. Num determinado ponto, tornou-se quase impossível descer com as bikes. Escondemo-las sob uma pedra e descemos o último trecho. Chegamos à cachoeira da Água Amarela. Um lugar paradisíaco. Um alto paredão de solo e pedra. Uma incrível vegetação que desce pelo paredão e forma um belíssimo jardim vertical que parece ter sido planejado de tão harmônico. Um jardim intocado. Um santuário. Retornamos à trilha já com as bikes. Refizemos todo o single track, agora descendo, e pegamos a estrada sentido Funil.
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   De volta à estrada principal, mais um trecho de subida íngreme e a descida final. Na minha cabeça apenas uma palavra martelava: almoço, almoço, almoço, almoço… Já eram três e meia da tarde quando sentamos pra almoçar na Pousada Serra do Funil. Um gostoso prato mineiro. Nada como arroz com feijão bem temperados para relaxar após um pedal. Passamos o resto da tarde conversando com os moradores locais e visitantes. Às 18hs e 30 minutos, começamos a nos preparar para a volta pra casa. As nuvens claras que nos acompanharam durante todo o dia, e que não tinham despejado uma única gota, foram substituídas por nuvens mais escuras, claramente iria chover. João Paulo sacou da mochila um beloanorak e se preocupou comigo, pois o que eu tinha era uma blusa de algodão que com certeza iria encharcar, o que não seria bom, pois a temperatura estava caindo rapidamente. Foi então que inventamos uma espécie de anorak feito de um saco de lixo fornecido pelo Gustavo da pousada. Cortamos duas aberturas nas laterais e uma no fundo e pronto, estava pronto o meu lixorak, que se mostrou uma ótima proteção durante a viagem de volta.
uma das belas cachoeiras do local
uma das belas cachoeiras do local
   O retorno pela estrada de chão da Serra do Funil em direção ao Rio Preto foi uma aventura à parte. Quanto mais subíamos, mais fomos adentrando por uma espessa neblina e mais escura ficava a noite. Alternavam ainda momentos de chuva e de garoa. Num determinado momento, bem no alto da serra, estávamos com visibilidade quase zero. Víamos apenas o solo de saibro onde a lanterna iluminava e, no meu caso, a lanterna traseira da bike do João. Olhar pra trás era breu total. Para frente era tudo branco acinzentado. Um verdadeiro pedal nas nuvens. Durante uns vinte minutos pedalamos nestas condições. Vinte minutos de extrema concentração. Olho no curto espaço focado pela lanterna. Nada na mente: contas pra pagar, trabalho, trânsito, tudo aquilo que nos afoga no dia-a-dia é simplesmente apagado. Meditar é isso: apagar tudo da mente. Por isso o pedal nos faz tão bem.Uma verdadeira meditação. O pedal é transcendental!
   Já em Rio Preto, uma rápida parada para reabastecer o organismo e juntar um pouco mais de energia para a parte final. Seguimos rumo a Valença e começamos a subir. Subir, subir, subir. Escuridão total. Foco na lanterna. E sobe… O cansaço bateu forte. É incrível como descer é rápido e fácil. Não parecia de jeito nenhum que tínhamos descido tanto. As subidas não tinham fim. Num certo trecho o João disse: “estou aqui tentando apagar da minha mente o que vem pela frente”. E eu tentando apagar tudo o que pudesse me puxar pra trás. Mais à frente, duas placas indicando subida íngreme. Eu negociando com meu limite e aparecerem aquelas malditas placas. Como poderíamos apagar da nossa mente a dificuldade das imensas subidas com aquelas malditas placas na beira da estrada. Minha vontade era derrubá-las e isolá-las no meio do mato, com raiva. Mas foco na lanterna e pé no pedal. E tome chuva fina. O lixorakfuncionou! Eu já nem sabia mais se minha panturrilha estava doendo ou se estava dormente. Passamos por Pentagna, Santa Inácia, Osório e, enfim, a reta final chegando a Valença. E o João me solta essa: “eu não queria ter mais 30km à minha frente”. Prontamente respondi: “se tivéssemos 30km à frente, acho que não estaríamos falando disso de jeito nenhum”. Chegamos. Casa da mãe, banho quente e leite quente. Sentado à mesa penso como é incrível como, após um pedal pesado como esse, nossa mente seleciona o que há de melhor e apaga a parte difícil, o sofrimento. Não que deixemos de lembrar das partes penosas, das subidas, das dores, mas, no fim do pedal, tudo isso é vitória. O chocolate quente alivia a garganta e o pulmão, e, na cabeça, já começo a pensar no próximo pedal. É isso aí!!!!!

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